sábado, 1 de julho de 2017

Uma bufada de ar (pouco) fresco

Toda a história e pós-história do "Salvador Sobral e a Eurovisão" são afinal várias faces de algo que é intrínseco do nosso povo. Façamos uma resenha histórica. Salvador Sobral concorre o Festival da Canção e vence. Comentários no dia seguinte? Estava com uma grande moca, a música não prestava, não era nada festivaleira, íamos ser enxovalhados, etc. Salvador vai a Kiev e vence a Eurovisão, passa a ser um artista de grande sensibilidade, a canção que apresentou uma pequena maravilha, o álbum dele passa a vender que nem ginjas (depois de quase um ano de anonimato), não se pode dizer que não se gosta de algo que ele tenha feito... Enfim, passou a ser Salvador no Céu e os outros todos na Terra. Chegamos a um concerto de beneficência onde o Salvador diz por outras palavras o que já tinha dito inúmeras vezes - embora com uma escolha questionável das palavras: após a vitória, as pessoas passaram a aplaudir tudo o que fazia, fosse bom ou fosse mau. Há nesta história pano para várias outras reflexões, como a aposta da RTP nesta reformulação do Festival ou a forma como o Salvador desvalorizou de imediato a sua vitória e mostrou estar consciente da transitoriedade do momento. Mas não é disso que quero falar agora. O que salta à vista nesta história é a necessidade que o povo português - e já não é de agora - sente de validação exterior. Aconteceu agora com o Salvador, mas já aconteceu no passado com vários outros. Assim de repente lembro-me da Jacinta (depois de gravar pela Blue Note, nunca um disco de Jazz vendeu tanto no nosso país), por exemplo. Não é só nas artes, é em tudo o que produzimos. Se os estrangeiros gostarem, nós também vamos passar a gostar. Pode ser música, pintura, mas também podem ser as criações de um chef. Isto é algo que sempre me incomodou, não só porque revela falta de capacidade crítica (em algumas pessoas é mais aversão a divergir de opinião) mas também algum complexo de inferioridade. Não deixa de ser irónico que o Salvador esteja a dizer isto àqueles que o aplaudem, que a maioria o faz acriticamente, mas mais ainda que essas mesmas pessoas se foquem no palavreado e que a mensagem lhes passe completamente ao lado. ps: tudo o que escrevi nada tem a ver com a minha opinião sobre a música do Salvador (que obviamente tenho)

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